O nosso gosto pela prataria do século XIX, e consequente pesquisa de elementos caracterizadores da mesma, levou-nos a conhecer os seus autores, os mestres ourives. Neste percurso, foram vários os nomes de ourives paredenses que fomos encontrando. Assim, surgiu a ideia de se fazer este pequeno estudo, com o intuito de os conhecermos melhor assim como, alguma da obra que produziram. Antes de falarmos deles iremos abordar a temática que envolve o ofício e caracterizar o contexto histórico e social da época.
Na produção argêntea, os artistas realizavam peças de ouro que se destinavam fundamentalmente para fins de adorno pessoal (cordões, brincos, pulseiras), já os objetos de prata tinham como objetivo a decoração (salvas, jarras), ou fins utilitários domésticos, (faqueiros, serviços de chá, tinteiros, castiçais). O Mestre Ourives de Prata ou do Ouro, uma vez concluída a peça puncionava-a com a sua marca, geralmente as iniciais do seu nome ou apelido, circulados de contorno variado, perímetro retangular, ovalado ou recortado. Depois de marcada a peça levava-a ao Ensaiador Municipal que verificava se tinha o teor de prata fixado por lei. Se estivesse tudo em conformidade a peça recebia uma marca Municipal e finalmente era passada uma certidão de avaliação. Só depois deste processo é que o ourives podia comercializar as suas obras.
Em Portugal no século XVIII, e até meados do século XIX, as elites sociais privilegiadas, (nobreza), decoravam as suas residências com objetos de prata, nas refeições usavam pratos, copos faqueiros, serviços de chá e de café, iluminavam os espaços com castiçais, candelabros e castiçais palmatórias, na higiene os gomis e bacias de água-às-mãos e na escrita, tinteiros e escrivaninhas. No século XIX, com a Revolução Liberal, um novo grupo social emerge, (burguesia política e comercial). Este novo contexto nacional levou à ascensão de novas personalidades e de novas famílias. O uso da prata generalizou-se e tornou-se menos seletivo quanto aos seus possuidores e entre «o funcional e o ornamental a prataria doméstica representou, por parte das elites portuguesas, um investimento económico expressivo.» SOUSA, 2017, p.482. Deste modo, para satisfazer a grande procura, a partir da segunda metade do século XIX, o Porto, incluindo Gondomar, tornaram-se os grandes centros produtores nacionais de objetos de prata.
A nossa investigação sobre mestres ourives dos séculos XVIII e XIX, revelou que muitos deles adotaram ao seu nome, o topónimo da terra onde nasceram, por exemplo, João Coelho de S. Paio e o seu filho, José Coelho de S. Paio, naturais de S. Paio de Ruílhe, Braga e António Pereira Canaveses, natural do Marco de Canaveses. Nesta linha, estão os nossos ourives do Concelho de Paredes e de uma forma cronológica iremos em seguida apresentá-los.
Da freguesia de Gandra temos cinco ourives, todos familiares, a família Moreira. Esta família, certamente que era proprietária e abastada, pois numa época em que a maioria da população trabalhava na agricultura e cerca de 70% era analfabeta, os patriarcas conseguiram letrar quatro filhos e possibilitar-lhes uma profissão de grande prestígio.
Progenitores: José Moreira e Antónia Moreira, do lugar de Moreiró, freguesia de S. Miguel de Gandra, concelho de Paredes, casaram na igreja paroquial, no dia de S. João de 1742.
Manuel Nogueira Gandra, nasceu no dia 13 de junho de 1743, na freguesia de S. Miguel de Gandra. Casou no Porto com Rosa de Lima de Vasconcelos e viveu na rua da Ferraria. Foi aferidor e ourives da prata. Nos objetos que produziu puncionou- os com a sua marca usada entre 1766 e 1810, Fig. 1, (ALMEIDA, CARLOS, 2018, p. 320). José Nogueira Gandra, nasceu no dia 20 de abril de 1747, na freguesia de S. Miguel de Gandra. Trabalhou na cidade do Porto como mestre ourives, tinha residência na rua dos Matadouros e faleceu solteiro no dia 26 de maio de 1782, tendo recebido todos os sacramentos. No testamento que fez deixou testamenteiro o seu irmão e ourives António Nogueira Gandra. Foi sepultado na capela dos Terceiros, de Nossa Senhora do Carmo, na sepultura número 93. Nos objetos de prata que fez não é conhecida a sua marca.
António Nogueira Gandra, nasceu no dia 9 de dezembro de 1749, na freguesia de S. Miguel de Gandra. Casou na Sé Catedral do Porto, com Clara Francisca, no dia 26 de novembro de 1771. O ourives e a sua mulher tinham residência na Rua do Loureiro desta cidade, mas anos mais tarde mudaram-se para a Rua das Flores. Foi mestre da prata e nos objetos que produziu puncionou- os com a sua marca usada entre 1786 e 1822, fig.2, (ALMEIDA, CARLOS, 2018, p. 248).
Custódio Nogueira Gandra, nasceu no dia 9 de julho de 1758, na freguesia de S. Miguel de Gandra. Foi viver para a cidade do Porto onde casou com Maria Rosa. Não se encontrou o assento de casamento, mas devem ter casado por volta do ano de 1780, pois em 31 de janeiro de 1782, nasceu António, o primeiro filho deles. Moravam na Rua do Loureiro, freguesia da Sé. Das peças de prataria que realizou puncionou-as com a sua marca, citada entre 1777 e 1807, Fig. 3, (ALMEIDA, CARLOS, 2018, p. 261). José Nogueira Gandra, filho de António Nogueira Gandra e de Clara Francisca, nasceu no dia 29 de dezembro de 1774, na freguesia da Sé. Trabalhou como mestre ourives da prata e juntamente com o seu pai formou uma sociedade. Morreu solteiro, com todos os Sacramentos, no dia 10 de janeiro de 1800, tendo sido sepultado na Igreja da Senhora da Lapa, freguesia da Sé. Dos objetos de prata que produziu não é conhecida a sua marca.
No concelho de Paredes, designadamente da freguesia de S. Miguel de Baltar identificamos mais dois mestres ourives, sobre os quais iremos, brevemente, apresentar um pequeno estudo.
A marca do concelho de Paredes e das suas gentes está intimamente relacionada com a arte das madeiras. No entanto, com este pequeno apontamento, pensamos ter contribuído para dar a conhecer uma nova faceta de uma profissão que foi abraçada por muitos Paredenses, desde tempos passados, até aos nossos dias.